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Leitura; leitura pelo professor; leitura pela criança; práticas de leitura em sala de aula
Assim como os momentos de escrita, os de leitura também devem ter um significado e um sentido, além de fazer parte de práticas sociais vivenciadas por leitores. Então, quando planejamos uma atividade de leitura é imprescindível pensar: por que e para que lemos?
Se pensarmos em nós, adultos, leitores, teríamos várias possibilidades de resposta: lemos para estudar, para aprender mais, para conhecer um assunto que nos é desconhecido... Lemos por prazer: um romance, uma obra que faz parte da literatura, ou até um gibi. Lemos, ainda, para ficar informados sobre os acontecimentos do mundo – por isso, os jornais – ou até informados sobre a vida de pessoas famosas, do mundo das telenovelas – daí as revistas sobre o assunto! Ainda podemos ler para fazer uma receita, para saber como determinado objeto que compramos funciona, ou lemos e-mails, e talvez até cartas, para saber notícias de pessoas queridas, enfim... as leituras que realizamos têm diferentes funções.
Na escola, então, a criança precisa vivenciar situações de leitura para que possa perceber a funcionalidade e o uso real de cada portador. E isso não é falado, tem de ser vivido. Ou seja, não adianta dizer para as crianças que elas devem ler jornais para saber dos acontecimentos, ou ler uma receita para aprender a fazer um bolo... as crianças precisam vivenciar diferenciadas leituras, em diferentes contextos para que possam compreender esse significado. E mais do que vivenciar, elas precisam conviver com leitores atuantes, isto é, para que percebam que ler é importante as crianças precisam observar adultos que com ela convivem lendo, lendo, lendo...
Além disso, a criança precisa ter a oportunidade de perceber (e de experimentar) diferentes maneiras de ler: podemos, sim, e é importante, aprender a realizar uma leitura silenciosa. Mas esta não é a única forma! Pode-se ler em voz alta, em coro, para si mesmo, para um colega, para o professor, para inteirar-se de algo, para estudar, para memorizar, ou, como já mencionei, para ter prazer, para compreender instruções etc.
Geralmente, as situações de leitura vivenciadas na escola se restringem a ler para responder a perguntas de compreensão e interpretação, ou fazer um resumo, ou estudar para uma prova, ou ainda inteirar-se de instruções.
Um exemplo que ilustra essa questão é quando a criança leva para casa um livro que escolhe para ler (por prazer), mas depois precisa obrigatoriamente preencher uma ficha para que o professor possa “confirmar” e avaliar se a leitura foi mesmo realizada. Ora, quando nós, adultos, lemos por prazer, não preenchemos uma ficha de leitura... ou preenchemos? Na verdade, nós, adultos leitores, comentamos sobre o livro que gostamos, fazemos recomendações aos amigos, estabelecemos relações com outras leituras que já fizemos... Então, é isso que a criança precisa aprender a fazer! São situações que levam a criança a este aprendizado que precisamos aprender a propor!
Você pode estar pensando: “bem, então nunca devemos pedir que a criança escreva sobre o livro que leu?” Sim, claro que podemos propor isso... mas quais são as situações reais em que escrevemos sobre um livro que lemos? Geralmente quando queremos comunicar nossas impressões fazemos uma resenha, uma sinopse, damos nossa opinião, como críticos literários, recomendamos a leitura num painel de leitura da faculdade, da livraria, ou até da sala dos professores... Isso dá sentido à proposta de escrita. Novamente, insisto, então, que é isso que a criança necessita vivenciar e aprender.
Recorro a uma citação do livro Escrever e Ler bastante interessante e que pode nortear nosso planejamento de situações significativas de leitura:
“Propomos considerar que ler é compreender um texto (Solé, 1987), dar sentido ao que está escrito; interpretar o que diz um texto; descobrir-lhe significado. É uma interação entre o pensamento ativo do leitor e o que diz o texto.
Somos mais competentes na leitura na medida em que o que interpretamos corresponde melhor ao que está escrito. Por isso, nunca se alcança a perfeição nem ao ler e nem ao escrever. Vocês, por exemplo, ao lerem este texto, certamente o compreendem, mas isso não impede que fiquem aspectos obscuros, talvez nos interpretem mal em algum momento. Nenhum de nós que escreveu este texto sabem ler Einsten corretamente... nem a tantos outros!
Portanto, uma criança pequena, diante de um texto escrito acompanhado de uma imagem – que lhe dê pistas e referências – pode interpretar que aquilo diz... bola, se o desenho mostra uma bola. Talvez não “acerte”, mas deu uma resposta lógica e reflexiva que constitui o primeiro passo da leitura: o que nós todos fazemos, ou seja, antecipar hipóteses.
Afinal, o que uma criança faz quando se depara com um texto é, fundamentalmente, o mesmo que os adultos fazem:
1. Formular uma hipótese: imaginar o que dirá aquilo a partir de indícios ou sinais (contexto, ilustrações, tamanho e forma das palavras etc.).
2. Comprovar a hipótese: usamos nossos conhecimentos (decifração, contexto etc.).
3. Avançar ou recuar na leitura: se o (...) que está escrito não corresponde à ideia que tínhamos formulado, provavelmente nos deteremos, voltaremos a ler para confirmar e mudar nossa ideia etc. Por exemplo, ao ler:
CRISTÓVÃO COLOMBO DESCOBRU A AMRICA EM 12 DE OUTUBLO DE 1952, é possível que:
a) Tenhamos corrigido espontaneamente alguns dos quatro erros, sem nem nos darmos conta deles, porque o que esperávamos ler prevaleceu sobre o que realmente diz.
b) Tenhamos nos detido e revisado a leitura para comprovar se realmente diz o que diz, já que é inesperado.
Estes procedimentos, próprios dos que sabem ler bem, são os que devemos ensinar às crianças. Para isso, é preciso que todas as atividades os incluam e eles sejam exercitados ativamente.
Vejamos, a seguir, como organizar em aula uma sessão de leitura com o objetivo de ensinar a nossos alunos os procedimentos próprios da leitura compreensiva. Na realidade, coletamos o processo de leitura que os adultos experientes realizam como modelo de habilidades que devemos ensinar aos alunos.
Definir a finalidade e os objetivos da leitura:
ANTECIPAR O CONTEÚDO
• Ativação de conhecimentos prévios.
• Uso do contexto e outros indicadores.
• Formulação de questões: guia de leitura.
LEITURA INTERATIVA
• Construção progressiva do significado.
• Verificação e reformulação de hipóteses.
• Identificação e correção dos erros de leitura.
RECAPITULAÇÃO DO QUE FOI LIDO, AMPLIAÇÃO DA LEITURA• Avaliação da compreensão alcançada.
• Comentário do texto.
• Resumo e ideia principal.
Motivação e entusiasmo pela leitura
A palavra escrita tem muitos competidores temíveis quanto ao interesse das crianças: a televisão, os videogames etc. ocupam espaços que antes podiam ser dedicados à leitura... e requerem menor esforço mental.
Entretanto, de nada serve aprender a ler se depois não se utiliza. Pouco valor tem a escola que não consegue entusiasmar as crianças para a leitura e gerar nelas hábitos de leitura.
Hábitos: ler bem e muito bem. Em aula e fora da escola.
Motivação: propor textos de qualidade e adequados às crianças. Propor esboçar situações agradáveis para ler: sessões de biblioteca, silêncio, conforto etc. Propor tarefas que suponham um desafio, que sejam acessíveis às crianças e que estimulem seu pensamento e imaginação.
Situações de leitura que tenham sentido por si mesmas, que estejam relacionadas aos temas que despertam a curiosidade das crianças, que estejam orientadas para o prazer e que lhes permitam certa margem de escolha sobre o que irão ler e como irão fazê-lo.”
Escrever e Ler, volume 1. Luís Maruny Curto, Maribel Ministral Morillo, Manuel Miralles Teixidó. Porto Alegre: Artmed Editora, 2000. (páginas 171 e 172)
Não apenas no 1º ano, mas ao longo de todo o Ensino Fundamental, ensinar a ler, propiciando condições para que as crianças tornem-se leitores competentes e que apreciem a leitura, é um dos maiores desafios da escola!
Leia uma entrevista de Anne Marie Chartier sobre A importância da escola na formação do leitor.
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