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  • Textos que valem a pena ler - Leitura Complementar II



    Aprender a ler e escrever além das letras



    Eloiza Schumacher Corrêa

    Reconhecer a escrita como linguagem significa admitir que seu ensino vai muito além do código e que é necessária uma abertura suficiente para encontrar possibilidades ampliadas de atuação

    Encontrar caminhos que ajudem a fugir da produção de uma "fala morta" talvez seja um dos grandes desafios que temos enfrentado nas últimas décadas no que se refere ao trabalho com a alfabetização. Tornam-se cada vez mais freqüentes as iniciativas que explicitam que há muito a fazer em relação às possibilidades de interagir com uma escrita que tenha verdadeiramente um propósito comunicativo. Hoje podemos dizer que o espaço ocupado pela escrita no ambiente escolar já não é mais tão estreito assim. Contudo, mesmo sabendo que os textos − felizmente − são presença constante nas salas de aula, ainda observamos seu uso apenas como pretexto para ensinar o código.

    Quando falamos em escrita, o que primeiro vem à mente são as letras, as palavras e a infinidade de combinações delas decorrentes. Nem poderia ser diferente, uma vez que escrever, numa primeira dimensão, significa registrar caracteres. E, nessa dimensão, conhecemos diversas possibilidades para ensinar a produzir e a reconhecer esses caracteres, ou seja, para adquirir o código. Entretanto, reconhecer a escrita como linguagem significa admitir que seu ensino vai muito além do código e que é necessária uma abertura suficiente para encontrar possibilidades ampliadas de atuação. Desse modo, proponho neste artigo o exercício de compreender a escrita como linguagem e refletir sobre os desdobramentos decorrentes dessa compreensão na prática pedagógica.

    Pensar sobre qualquer linguagem (oral, corporal, gestual, midiática, gráfica, plástica, musical, escrita, fotográfica, gustativa, tátil, etc.) leva a pensar no desenvolvimento da expressividade, entendida aqui como a capacidade do sujeito de se fazer entender e entender o outro através de um sistema de signos. Assim, a primeira condição para o desenvolvimento da expressividade é estar em interação com os outros. Embora essa constatação pareça óbvia, nem sempre é colocada em prática no cotidiano das escolas. Diria até mais do que isso: nem sempre é vinculada ao ensino da escrita.

    Quando nos aventuramos a fazer esse tipo de vinculação, novas necessidades no trabalho com a linguagem escrita na sala de aula fazem-se presentes. A intencionalidade do professor como alguém que organiza ações voltadas para a ampliação das capacidades expressivas torna-se muito relevante e abre-se espaço para outras modalidades de ação. Isso implica a possibilidade de encontrar no significado inerente às linguagens em geral brechas para o trabalho com a linguagem escrita. Assim, não precisamos acreditar que só se aprende a ler e a escrever com letras, pois o que está em jogo são as habilidades necessárias para o sujeito ler e escrever, processo tão bem sintetizado por Magda Soares (1998) ao se referir às habilidades de leitura e escrita.

    Pensar dessa forma envolve a reflexão sobre o que é necessário para produzir linguagem escrita. Claro que o reconhecimento de caracteres faz parte, porém ficar restrito a isso é abortar a riqueza e a complexidade da linguagem escrita. Para ler e escrever é preciso muito mais. Como afirma Geraldi (1991), é preciso que o sujeito tenha o que dizer, tenha uma razão para dizer o que tem a dizer, tenha para quem dizer o que tem a dizer, constitua-se como sujeito que diz o que diz para quem diz e escolha estratégias para fazer tudo isso. Portanto, quando o propósito comunicativo das linguagens passa a ser realmente importante, antes e junto com o ensino das letras, devem ser criadas condições para exercitar a comunicabilidade.

    Para ampliar as possibilidades de expressão das crianças, é preciso compreender cada representação/produção como ato comunicativo (e, por isso, passível de ser socializado, lido e entendido pelo outro) e oferecer ferramentas para potencializar essa comunicabilidade. Nesse caso, torna-se possível transformar a sala de aula em um ambiente comunicativo (seja na relação entre a criança e seu grupo, entre a criança e o professor, entre grupo e família, entre grupos, entre grupo e instituição). Ou seja, conceber que tudo o que é produzido, na sala ou fora dela, tem uma mensagem a ser entendida, e não somente uma letra, palavra ou sílaba para ser identificada.

    Quando, por exemplo, solicita-se às crianças que utilizem revistas na sala de aula, comumente os professores pedem que procurem palavras com tal letra, que recortem palavras que comecem igual ao seu nome ou que tenham tal sílaba, enfim, propostas reféns da aquisição do código, cujas habilidades requeridas são basicamente perceptivas e motoras. Transcender isso significa pensar na funcionalidade da revista na vida cotidiana: não lemos revistas para procurar letras ou palavras, mas sim para nos informar, nos divertir, nos distrair, saber o modo de fazer algo ou até mesmo descobrir uma fofoca. Porém, a escola age como se todos esses aspectos não fossem importantes.

    Ao ver crianças interagindo com revistas, podemos notar que elas comentam sobre as gravuras, ensaiam a leitura dos textos, riem, trocam opiniões - não ficam procurando letras! Acredito que, se as propostas passarem a se centrar exatamente no que contam as revistas, teremos mais ganhos em relação à comunicabilidade. Propostas desse tipo desencadeiam assuntos, emoções, argumentações, risos. Por isso, tenho certeza de que também teremos mais ganhos em relação à alegria, ao prazer de conversar com o outro, à exposição de opiniões, à busca de informações e de conhecimentos para sustentar essas opiniões, a um contato com textos permeado pela curiosidade.

    No ano passado, minha filha, então com seis anos, enquanto brincava em casa, escreveu um hino para a Copa do Mundo. Como toda mãe coruja, achei o hino maravilhoso! Independentemente disso, eu fico pensando que textos como o seu, que realmente comunicam idéias, é que deveriam ir para a sala de aula, não para serem explorados do ponto de vista da ortografia e do reconhecimento dos sinais gráficos, mas para serem interpretados e enriquecidos com as opiniões de todos da sala. Quantos assuntos − seja através de desenhos, músicas, jogos − as crianças teriam para falar sobre a Copa do Mundo no ano passado! Da mesma forma, quantas oportunidades para incrementar seus discursos com a leitura e a interpretação de imagens e textos de jornais, revistas e televisão estavam disponíveis.

    Descobriremos uma fonte inesgotável de alternativas para ampliar as possibilidades comunicativas das crianças quando nos interessarmos de fato por aquilo que elas têm a dizer nas mais diferentes linguagens e, sobretudo, quando conseguirmos, a partir desse interesse, oferecer ferramentas que ampliem suas possibilidades do dizer. Tal prática requer disposição para compreender suas produções como elementos comunicáveis e passíveis de serem entendidos pelo outro e, além disso, abertura para compreender que as crianças se relacionam com os mais diversos textos − plásticos, gráficos, escritos ou musicais − com a intenção de interagir com eles.

    Contudo, não basta apenas solicitar às crianças que desenhem, pintem, colem, façam esculturas para depois guardar as produções na pasta ou deixá-las expostas na parede para exibir aos pais. Mais do que isso, é preciso criar meios para refinar suas habilidades de comunicação, encorajando-as a explicar o que queriam dizer ou por que fizeram aqueles trabalhos, estimulando-as a pensar em títulos e comentários esclarecedores, explorando as possibilidades do dizer, a busca de recursos para expressar o que se quer, seja através do destaque e da transformação de traços, da inclusão de detalhes, da socialização de modelos, da oferta de novos materiais, do ensino de novas técnicas. Ou seja, é fundamental fazer a turma esforçar-se para entender e ser entendida, o que só vai ocorrer se suas produções forem expostas ao olhar do outro e colocadas para a apreciação e a discussão coletivas.

    Quem sabe, esse não é um dos caminhos para que possamos deixar de entender o desenho, o jogo, a literatura como passatempos - o que se faz com freqüência nas escolas - e começar a entendê-los como linguagens repletas de idéias a serem exploradas? Quem sabe, esse não é um bom caminho para termos uma educação mais sensível às necessidades infantis, ato tão necessário quando se pensa que crianças menores estão agora, com o ensino fundamental de nove anos, obrigatoriamente na escola para serem alfabetizadas?

    Pablo Neruda disse certa vez: "Escrever é fácil: você começa com letra maiúscula e termina com ponto final. No meio você coloca idéias". É exatamente nesse "meio" que podemos concentrar nossas ações, o que não se faz somente com letras e palavras.



    Eloiza Schumacher Corrêa é consultora de educação nas redes de ensino pública e privada nas áreas de educação infantil e ensino fundamental, pedagoga e assistente social, especialista em Alfabetização e Educação Sexual. eloiza.c@superig.com.br

    REFERÊNCIAS

    GERALDI, J.W. Portos de passagem. São Paulo: Martins Fontes, 1997.
    SOARES, M.B. Letramento: um tema em três gêneros. Belo Horizonte: Autêntica, 1998.































    Conhecimento e formação de professores

    Jose Clovis de Azevedo

    O desafio não é limitar a formação a um conjunto de dogmas ou jogá-la para um relativismo eclético, mas situá-la no campo das epistemologias progressistas, das opções que dialogam com a transformação e a criatividade

    A formação de professores tem múltiplas dimensões, todas elas interligadas, com especificidades imprescindíveis ao processo formador. No entanto, uma das insuficiências da formação docente, revelada nas práticas pedagógicas, localiza-se na dificuldade dos educadores em lidar com as teorias do conhecimento. Consciente ou inconscientemente, teoria e método materializam-se nas práticas, nas atitudes e nas relações educador-educando. Por isso, faz-se necessária uma formação que possibilite aos educadores a apropriação consciente, crítica de uma teoria do conhecimento, de um caminho epistemológico que oriente o fazer pedagógico.

    Uma das questões centrais para resgatar o sentido e o significado do que se faz na escola encontra-se nas interrogações: "a partir de onde e com que pensamento se constrói o conhecimento?" e "com quais referências teóricas?". Quando relacionamos a matéria-prima do conhecimento às fontes que consideramos significativas para o ato de conhecer, já estamos hierarquizando um conjunto de idéias, valores e conceitos sobre o mundo das coisas e sobre o mundo humano, mesmo que tais conceitos não estejam claros ou metodicamente sistematizados em nossas mentes.

    A partir desses primeiros passos e atitudes, podemos - e o fazemos via de regra - percorrer dois caminhos epistemológicos com pressupostos distintos. Um deles é baseado em uma investigação especulativa, idealista, em que conhecer deriva para sistematização de uma lógica formal que passa ao largo do contexto cultural socialmente produzido, com pressupostos que tendem a negar ou subestimar o sujeito. Na educação escolar, essa visão tem como subproduto a coisificação e a perda de significados do seu conteúdo. É o primado da linearidade mecanicista do pensamento lógico-matemático, que concebe a realidade como se fosse máquina, com funcionamento predeterminado, excluindo o papel transformador do sujeito. O conhecimento idealista, metafísico, mecanicista, baseado no pensamento especulativo, sonega ou não percebe o movimento real. "O mecanicismo se identifica com a metafísica, pois reduz a mudança a um processo determinado por forças incontroláveis, portanto, transcendentais" (Gadotti, 1998, p. 81).

    Na contramão do mecanicismo, do positivismo, está a abordagem dialética, ancorada na filosofia da práxis, na ciência como teoria e método de desvelamento da contradição existente em todos os fenômenos e coisas. É a produção do conhecimento como práxis, movimento histórico do sujeito em direção ao desvelamento da natureza, de suas leis e da realização da humanização. Partindo dessa visão, é inevitável uma postura crítica do caráter artificial, domestificador e reprodutor das práticas escolarizadas. O viés positivista da educação escolar não existe por acaso. Sendo a escola feita pelos educadores, mudá-la significa modificar as concepções e as práticas dos educadores, ou seja, mudar os fundamentos da sua formação. O desafio não é limitar a formação a um conjunto de dogmas ou jogá-la para um relativismo eclético, mas situá-la no campo das epistemologias progressistas, das opções que dialogam com a transformação e a criatividade.

    O desdobramento de uma prática pedagógica progressista implica admitir que todos os homens e mulheres são portadores de concepções de mundo; significa considerar que todos os homens e mulheres são portadores de conhecimentos, de saberes gerados pela criação cultural na produção da sua existência. Também quer dizer que, fora do espaço escolar, preexiste um conhecimento produzido pela vida comunitária. O conhecimento, fruto do viver cultural e da experiência, adentra as escolas com seus portadores. Assim, chega-se a uma questão-chave para o trabalho pedagógico: ou a escola desconhece esse conhecimento e tenta ensinar com base no raciocínio especulativo, idealista, descolada do contexto cultural real, ou parte da articulação do conhecimento da vida com o conhecimento sistematizado, orgânico e coerente.

    Nesse caso, trata-se de construir o conhecimento a partir do "senso comum", apoiando-se no que Gramsci chama de núcleo "racional do senso comum" ou "bom senso" como caminho de produção de um "senso comum diferenciado", isto é, percepções mais complexas da realidade, o conhecimento novo. A concepção que estabelece a relação da atividade intelectual com a vida concreta, da filosofia com o senso comum, da ciência com o conhecimento popular. Opera-se a aliança de saberes com a transformação do "(...) núcleo sadio do senso comum, o que poderia ser chamado de bom senso, merecendo ser desenvolvido e transformado em algo unitário e coerente (Gramsci, 1981, p.16). Aquilo que Gramsci aplica no conhecimento filosófico é - com diferentes nuanças e distintos pressupostos - desenvolvido pelo pensamento pedagógico e filosófico ligado às diversas correntes do pensamento progressista na educação.

    Na perspectiva crítica da ciência moderna, Boaventura de Souza Santos afirma a importância do conhecimento praticado na vida, "(...) o senso comum, o conhecimento vulgar e prático com que no cotidiano orientamos as nossas ações e damos sentido à nossa vida" (Santos, 2001, p. 56). A consideração do senso comum como fonte ou base para a construção de um novo e diferenciado conhecimento, com raízes e motivações na vida, na cultura e na experiência concreta, é uma contribuição epistêmica importante para uma ação pedagógica que tenha sentido e significado para educadores e educandos.

    Entretanto, o autor não toma o senso comum na sua forma pura mistificada, e sim interpretado criticamente à luz do conhecimento científico. "Deixado a si mesmo, o senso comum é conservador e pode legitimar prepotências, mas interpretado pelo conhecimento científico pode estar na origem de uma nova racionalidade. Uma racionalidade feita de racionalidades" (Santos, 2001, p. 57).

    Na concepção pedagógica freireana, a produção do conhecimento se dá no processo de transformação da curiosidade ingênua em curiosidade epistemológica. A curiosidade ingênua é a que caracteriza o senso comum. O desafio do educador é a critização e a superação do senso comum, passando da falta de rigorosidade para a rigorosidade. Nesse trânsito de superação, o educador deve ter "(...) respeito e estímulo à capacidade criadora do educando. Implica o compromisso do educador com a consciência crítica do educando cuja promoção da ingenuidade não se faz automaticamente (Freire, 1997, p. 32-33).

    Na vertente liberal, encontramos nas contribuições de John Dewey elementos progressistas de surpreendente atualidade para a formação dos educadores. Dewey afirmou a educação como um laboratório de confirmação das hipóteses da vida suscitadas pela filosofia. Ele entendia a inteligência humana não como um atributo individual, mas sim social, que se desenvolve permanentemente nas interações sociais por meio da comunicação Na questão das fontes do conhecimento, o autor considera que uma das etapas da aprendizagem manifesta-se na familiaridade e no trato daquilo que as crianças "(...) já trazem consigo, (...) o objetivo da escola é ensinar a criança a viver no mundo em que ela se encontra" (Beltran, 2003, p. 53-54). Considerava a escola um lugar de vida presente, de experiência. "A escola não é, pois, um lugar de preocupação para a vida futura, mas é, em si mesma, um lugar de vida que será preciso projetar afim de que se manifestem as experiências que os alunos têm e se possibilitem outras novas" (p. 54).

    As referências teóricas, a identidade como teoria do conhecimento, são pressupostos e ferramentas indispensáveis à reflexão das práticas. Contudo, é preciso considerar a produção de uma outra dimensão do conhecimento necessária à formação do educador, ou seja, aquela gerada pela reflexão da prática, pelo experimento, pela ousadia da mudança na reinvenção do conteúdo e da forma a organização do ensino e do funcionamento da instituição escola.

    REFERÊNCIAS
    BELTRAN, F. A educação intencional. In: CARBONELL, J. (org.). Pedagogias do século XX. Porto Alegre: Artmed, 2003.
    FREIRE, P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996.
    GADOTTI, M. Pedagogia da práxis. São Paulo: Cortez Editora, 1998.
    GRAMSCI, A. Introdução ao estudo da filosofia. In: Cadernos do Cárcere. Vol.1. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001.
    SANTOS, B.S. Crítica à razão indolente: contra o desperdício da experiência. São Paulo: Cortez Editora, 2000.
    SANTOS, B.S. Um discurso sobre as Ciências. Porto: Edições Afrontamentos, 2001.


     
    Jose Clovis de Azevedo é licenciado e bacharel em História, doutor em Educação, coordenador de pesquisa e professor do curso de Pedagogia do Centro Universitário Metodista-IPA.













    Devorar ou Degustar?

    Celso Antunes

    Se a criança é levada à alfabetização sem o requinte de uma aventura pelo desafio do mundo da palavra e dos segredos da letra, se existe pressa em que se aprenda a ler e se acredita que a leitura pressupõe apenas junção de sílabas, essa criança se tornará um mau leitor e provavelmente devorará sentenças, engolirá textos e jamais saberá arrancar de sua leitura o imenso prazer da verdadeira significação.
    Quem degusta e quem devora colocam alimento na boca e, de uma ou de outra maneira, alimentam-se, mas existe uma abismal diferença entre um e outro verbo. O degustar associa-se ao requinte, à paciência, à ternura e ao aprimoramento do paladar, e quem o faz se identifica com a paixão pelo que faz. Já o devorar indica o engolir com voracidade, o corroer com angústia, o colocar-se distante do prazer. Outra expressiva diferença entre devorar e degustar situa-se na prevalência do instinto ou na relevância da educação; para devorar, basta ter a fome e a ansiedade e, dessa forma, devorar representa ação do instinto inscrita nos genes, ao passo que, para degustar, torna-se essencial a educação. Ninguém necessita ensinar ao outro o como devorar, mas é com paciência e ternura que somos levados a aprender a degustar.
    Essas reflexões vêm à tona quando se pensa na alfabetização e na leitura. Se a criança é levada à alfabetização sem o requinte de uma aventura pelo desafio do mundo da palavra e dos segredos da letra, se existe pressa em que se aprenda a ler e se acredita que a leitura pressupõe apenas junção de sílabas, essa criança se tornará um mau leitor e provavelmente devorará sentenças, engolirá textos e jamais saberá arrancar de sua leitura o imenso prazer da verdadeira significação. Ainda que juntar sílabas não se constitua em ato instintivo, sua aprendizagem, quando desprovida de ternura e comandada pela agitação da pressa, transforma-se em tarefa devoradora, que caracteriza quem sabe ler, mas jamais bem compreender as linhas e as entrelinhas que com os olhos percorreu. Não é por outra razão, talvez, que 75% dos adolescentes brasileiros obtiveram um escore inferior à média do OCDE (Relatório PISA, 2000) e 10% dos melhores alunos mal alcançaram essa média em avaliações que cobravam compreensão de textos.
    Alfabetizar-se é aprender a extrair a pronúncia que corresponde a uma representação gráfica da linguagem oral, é descobrir sentido e conquistar as idéias presentes na mensagem que se lê, e isso não se alcança sem que antes o alfabetizador saiba efetivamente quais conhecimentos de vida e de si a criança possui, quais conhecimentos deve adquirir para chegar a identificar palavras, fazê-las suas, e quais passos deve dar nessa conquista.
    Antes de levar a criança à pretensa leitura, é importante que seja convidada a descobrir as convenções da escrita (da esquerda para a direita e de cima para baixo da página), as formas que seu próprio nome assume e a aventurar-se ludicamente em identificar familiaridade com o formato das letras e com suas funções nas palavras, conquistando devagarinho a capacidade de detectar certos fonemas nas expressões que descobre. Esse ensino deve anteceder a própria leitura em si e precisa ser feito com o mesmo sabor com que se faz uma excursão ou um passeio pelo fascínio do faz-de-conta. Não há por que levar a criança à leitura compreensiva antes que ela perceba como devem ser as consoantes pronunciadas, que percorra os labirintos para dominar o som das letras e as comparações entre famílias de palavras.
    A mente infantil, por volta dos seis anos, é povoada por sonhos e ilusões, mágicos e bruxas, heróis e dinossauros, e a realidade da alfabetização constitui uma fria operação formal que se impõe com dureza à magia desse encantamento. É por esse motivo que o melhor caminho é o da fantasia, por meio da qual, brincando, a criança descobre histórias e constrói personagens que podem ser as letras, cenários que podem ser as sentenças, ambientes que, cercados de ternura, associam-se ao natural encantamento de um mundo cheio de ilusões.
    Quando essa aventura terminar, dure quanto tiver que durar, uma outra começa, e esta, sim, é expressa pela verdadeira alfabetização, na qual a criança é levada a transformar- se de expectador em ator, descobre que letras unidas podem ou não possuir significação e que palavras organizam-se em sentenças segundo o comando de sua mente. Chegará depois a perceber que sem sentido não existe escrita e que são sólidos os elos que unem o ler ao escrever, o pensar e o dizer.

    Celso Antunes é mestre em Ciências Humanas, especialista em Inteligências e Cognição e consultor da Associação Internacional pelos Direitos da Criança Brincar.







     

    Estamos formando leitores autônomos?

    Lucília Coimbra

    É necessário oferecer aos jovens subsídios para, com base na construção e na participação efetiva, contribuir com a sua transformação em produtores de significados, capazes de lidar com os diferentes gêneros textuais - lingüísticos e não-lingüísticos - na escola e na sociedade em que vivem.
    Muito se tem falado sobre o desinteresse dos alunos pela boa leitura. Mas de que leitura se trata? De textos impressos? Quem pode determinar o que é uma boa ou má leitura sem levar em consideração o universo dos educandos? Essas reflexões são pertinentes em um momento no qual as possibilidades de leitura multiplicam-se com uma velocidade impensável há poucas décadas.
    É bem simples afirmar que os alunos não lêem quando há sempre alguém determinando o que eles devem ler. Nesse caso, não escolhem os livros e, muitas vezes, lêem sem envolvimento, apenas por obrigação. Onde está a autonomia do leitor? Seu campo de interesse é levado em conta? Em salas de aula, é comum utilizar como principais instrumentos de leitura apenas o livro didático e suas variações (módulo, apostila, reproduções xerográficas) ou livros escolhidos pelos professores. Assim, a participação do aluno é totalmente anulada.
    Sabe-se que muitas escolas, normalmente, privilegiam o texto escrito, automatizando-o, sem considerar outras possibilidades de leitura que contribuam para uma melhor ampliação do universo cultural do educando. E isso é possível através da leitura analítica das diversas formas de expressão, também consideradas linguagens em um sentido amplo, tais como a pintura, a escultura, o cinema, a música, o teatro, etc.
    No que se refere à tipologia textual representada no material didático, ainda encontramos situações que se distanciam da realidade do aluno. Ora, se o educando não for preparado para compreender as formas de linguagem que o rodeiam e se os textos escritos não apresentam nenhuma ligação com o seu cotidiano ou não forem do seu interesse, possivelmente a leitura não terá a funcionalidade que dela se espera.
    Em certos livros didáticos, notamos a presença de textos que não despertam o interesse do aluno para a leitura nem propõem uma intervenção do leitor. Textos dessa natureza, geralmente, são utilizados como pretextos para outras atividades, tais como abordagem gramatical, ensino da ortografia para apropriação do sistema de escrita e conhecimento do vocabulário. Esse fim utilitário descarta todas as possibilidades de análise que uma leitura apropriada pode oferecer e não provoca no educando o interesse pelo ato de ler.
    Espera-se que o aluno desperte para o prazer da leitura, que se transforme em leitor atento, que tenha capacidade de abstração e de interpretação, que adquira autonomia. Expectativas que, na maioria das vezes, não condizem com as práticas empregadas pela escola, a exemplo da utilização constante de textos fragmentados e/ou inadequados, principalmente no material didático. Trata-se de um fator relevante, já que pedaços de textos não contêm todas as intenções do autor para o leitor, de maneira que este perceba o implícito, as idéias subjacentes que exijam dele intervenções na recepção textual. Desse modo, a leitura não contribui para a formação do leitor.
    Outro fator importante: a escola não deve desconsiderar que o envolvimento com a leitura varia de aluno para aluno, o que impossibilita o nivelamento dos leitores. Além disso, determinadas práticas de implantação da leitura no espaço escolar não funcionam. A lista de livros preparada pela escola não incentiva a leitura, pois não considera o interesse do aluno e o prazer que a escolha de um livro pode proporcionar. Muitas vezes, as obras selecionadas à revelia do leitor têm foco na avaliação escrita ao final de cada período pedagógico. É assim que se estabelece a distância entre o aluno e a biblioteca. Por que visitar uma biblioteca se já existe uma lista de livros determinando o que deve ser lido?
    A formação de um leitor passa por um processo e não se deve considerar a leitura apenas a decodificação de sinais gráficos. Ela vai muito além: possibilita intervenções, questionamentos, inferências e hipóteses. No caso da educação de jovens, torna-se necessário oferecer-lhes subsídios, com base na construção e na participação efetiva, que contribuam para a sua transformação em produtores de significados, capazes de lidar com os diferentes gêneros textuais - lingüísticos e não-lingüísticos - na escola e na sociedade em que vivem. Se a leitura for conduzida mecanicamente ou considerada como atividade secundária, isso provocará no aluno dificuldades em abstrair idéias e realizar análises críticas que culminem em ações transformadoras.
    No âmbito educativo, a leitura é atividade precípua no processo de ensino-aprendizagem, pois permite ao educando elaborar seu mundo de referências, formar opiniões e fazer intervenções. Tais possibilidades aguçam-lhe uma percepção mais consciente do que está ao seu redor, como também da interpenetração entre os vários horizontes - cultura, história e ciência -, o que faz da leitura um passaporte para a aquisição de experiências significativas ao indivíduo e ao grupo social a que pertence.
    Pensar os problemas da leitura na escola deve ser uma preocupação constante não só das instituições de ensino, mas de toda a sociedade para que o seu desenvolvimento cultural e socioeconômico não seja comprometido pela defasagem escolar de seus habitantes. Acreditamos que o redimensionamento das atividades de leitura é de grande importância quando se considera o contexto social do educando e sua competência para interagir com ele. A criação e a implementação de projetos com foco nas relações entre os diversos tipos de textos e de linguagens, integrando-os à vida prática do aluno, constituem um passo decisivo para promover mudanças e permitir que a leitura contribua para o desenvolvimento das habilidades lingüísticas dos indivíduos em situação escolar, de modo que eles possam aplicá-las na vida em sociedade.



    Sugestões de atividades práticas com jornal

     
    Público-alvo: Alunos de 5ª a 8ª séries (pode ser adaptado para alunos de 1ª a 4ª séries).

     
    Objetivos:

    • promover a leitura e a socialização de textos diversificados;
    • operar com linguagens distintas;
    • permitir a troca de experiências entre os alunos através do debate;
    • desenvolver a compreensão dos textos lidos, buscando significados para os mesmos;
    • possibilitar a construção e a reconstrução de significados;
    • utilizar a leitura como forma de aprendizagem e análise das questões atuais;
    • fomentar o exercício lingüístico por meio da oralidade;
    • provocar o interesse pelas mais diversas situações pelas quais passa a sociedade contemporânea.



    Justificativa:

    Promover o redimensionamento das atividades de leitura, considerando a realidade cotidiana do educando e suas competências de construir conhecimento.



    Eixos temáticos:

    Fica a critério do professor observar os temas que estão implícitos nos textos selecionados para realizar as intervenções que se fizerem necessárias.



    Atividade 1 - Leitura de texto e expressão oral



    Orientações didáticas para os alunos:

    a) Em grupo: seleção e leitura de textos jornalísticos.
    b) Discussão do problema apresentado na reportagem.
    c) Registro dos pontos considerados relevantes pelo grupo.
    d) Elaboração de um posicionamento acerca do problema evidenciado na notícia.
    e) Socialização da experiência para todos os grupos e exposição da opinião sobre o assunto abordado.


    Observação: no decorrer da apresentação, o professor e os demais alunos devem interagir com cada grupo que expõe o seu trabalho.



    Atividade 2 - Leitura de imagem, expressão oral e escrita

    Antes de iniciar a atividade, o professor deve recortar imagens (fotografias, ilustrações, gravuras, etc.) publicadas em jornais, retirando as legendas. O aluno pode realizar o trabalho individualmente, em dupla ou em equipe.



    Orientações didáticas para os alunos:

    a) Seleção e leitura de uma das imagens distribuídas pelo professor.
    b) Registro das primeiras impressões sobre a cena observada.
    c) Socialização das percepções de cada leitor.
    d) Elaboração de um pequeno texto ficcional baseado na imagem analisada.
    e) Exposição oral da produção escrita.
    f) Colagem em cartaz do texto e da imagem.



    Lucília Coimbra é especialista em Estudos Lingüísticos e Literários pela UFBa, professora de Educação de Jovens e Adultos da rede estadual de ensino da Bahia e do Núcleo de Educação do Trabalhador da Indústria do SESI DR-BA, além de mediadora em treinamento de professores.












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ONDE NOSSOS PÉS PISARAM...

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LOCAL: Escolas Estaduais de abrangência da 15ª CRE
ANO: 03/2012 - 12/2012
ATIVIDADES: Formação Continuada para os professores das Escolas Estaduais.
- Bloco Inicial da Alfabetização: 1ºao 3º anos do Ensino Fundamental.
- Ensino Médio Politécnico.
Foram atendidas 41 escolas da região do Alto Uruguai, totalizando mais de 500 horas de formação.



LOCAL: Prefeitura Municipal de Barão de Cotegipe/RS
ANO: 09/2012 -11/2012
ATIVIDADES: Formação Continuada para os professores da rede municipal de ensino - Educação Infantil e Ensino Fundamental - Anos Iniciais

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LOCAL: Associação de Amparo a Maternidade e Infância - ASSAMI Erechim/RS
ANO: 02/2012-08/2012
ATIVIDADES: Formação Continuada para os professores e coordenadores da Educação Infantil

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LOCAL: Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais - APAE de Erechim/RS
ANO: 03/2012 - 11/2012
ATIVIDADES: Formação Continuada para os professores da Instituição

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LOCAL: Prefeitura Municipal de Itatiba do Sul/RS
ANO: 02/2012- 09/2012
ATIVIDADES: Formação Continuada com os professores da rede municipal de ensino e professores estaduais

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LOCAL: Prefeitura Municipal de Faxinalzinho/RS
ANO: 03/2012- 07/2012
ATIVIDADES: Formação Continuada com os professores da rede municipal de ensino

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.LOCAL: Prefeitura Municipal de Getúlio Vargas/RS
ANO: 2012
ATIVIDADES: Oficinas no Fórum Nacional de Educação

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LOCAL: Prefeitura Municipal de São Valentim/RS
ANO: 02/2012 06/2012
ATIVIDADES: Formação Continuada de Professores

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LOCAL: Centro Educacional e Cultural Algodão Doce/Concórdia-SC
ANO: 06/2009 - Atual
ATIVIDADES: Assessoria Pedagógica na Instituição e Formação de Professores da Educação Infantil

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LOCAL: Prefeitura Municipal de Erechim/RS
ANO: 06/2010 - 10/2011
ATIVIDADES: Formação Continuada para os Coordenadores e Professores dos 1º e 2º anos do Ensino Fundamental;Formação dos Professores da Educação Infantil; Assessoria na elaboração dos Planos de Ensino do Ensino Fundamental

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LOCAL: Prefeitura Municipal de Marcelino Ramos/RS
ANO: 10/2010 - 12/2012
ATIVIDADES: Formação Continuada com os professores da rede municipal de ensino;Assessoria na elaboração dos Projetos Políticos Pedagógicos das escolas;Assessoria na elaboração dos Planos de Ensino do Ensino Fundamental

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LOCAL: Prefeitura Municipal de Maximiliano de Almeida/RS
ANO: 02/2011- 07/2011
ATIVIDADES: Formação Continuada para os professores da rede municipal de ensino

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LOCAL: Prefeitura Municipal de Viadutos/RS
ANO: 04/2011 - 11/2011
ATIVIDADES: Formação Continuada para os professores do sistema municipal de ensino

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