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  • A Educação Moral e a Autonomia na Criança - segundo Piaget

    Alexandra Ferronato Beatrici

    O ingresso da criança no universo moral [1] se dá pela aprendizagem de diversos deveres impostos pelos pais, professores e adultos em geral. Piaget inicia suas pesquisas sobre a moral escolhendo uma atividade peculiar das crianças e da própria atividade humana, o jogo de regras. Para ele, os jogos coletivos de regras são paradigmáticos para a moralidade humana, primeiro porque representam uma atividade inter-individual regulada por normas que, embora herdadas de gerações anteriores, podem ser modificadas. Segundo, o respeito a elas é sim moral, pois envolve questões de justiça e honestidade. Terceiro, acontecem mútuos acordos entre os jogadores, e não há mera aceitação de normas impostas.

    Quanto ao estudo das regras do jogo de bolinhas de gude, variação do quadrado (“traça-se no chão um quadrado, dentro do qual se colocam algumas bolinhas; o jogo consiste em atingi-las de longe e fazê-las sair desse quadrado” Piaget, 1994. O autor chegou à conclusão de que há quatro estágios, do ponto de vista da prática das regras. O primeiro estágio (até os 2 anos), motor e individual, quando a criança simplesmente manipula as bolinhas para sua própria exploração e utiliza-as como objetos diversos para estabelecer alguma ritualização, processo de adaptação efetiva. Segundo estágio (entre 2 e 5, 6 anos), caracterizado pelo egocentrismo infantil. A criança aceita as regras que recebe do exterior, dos adultos ou dos meninos mais velhos (no caso do jogo). Considera as regras sagradas e imutáveis e é completamente avessa à sua alteração. Há uma característica que deve ser detalhada: é o fato de haver uma desorganização da memória da criança aproximadamente até os 7 anos de idade, quando ela crê que sempre soube o que acabou de aprender. Assim, quando Piaget joga com as crianças, logo que modifica as regras, elas não aceitam, para, em seguida, concordar. Segundo Piaget, elas não se apercebem da mudança. Jogam com os outros, imitando-os. Crêem que estejam em interação com os demais, enquanto jogam só para si e modificam as regras sem perceber. Terceiro estágio (entre 7, 8 anos e 11, 12 anos): caracterizado por uma cooperação que começa a surgir; a criança já conhece as regras e já aceita suas mudanças, desde que o grupo esteja de acordo com elas. No entanto, o que o observador pôde coletar a respeito é que, na verdade, elas jogam juntas, mas com uma infinidade de regras concomitantes. Quarto estágio (11, 12 anos), finalmente há organização do pensamento e autonomia. As crianças jogam pelo prazer da disputa, mas procuram interagir quanto às regras, que jamais são fixas e dispõem de possibilidade de mudanças, decididas pelo grupo. Somente a partir delas é que os procedimentos do grupo podem ser julgados.

    Piaget surpreende-se com a organização que os meninos desenvolvem para compreender e praticar as regras do jogo, a ponto de assinalar como uma diferença básica entre meninos e meninas. Ao estudar o pique com o grupo de meninas, percebeu basicamente o mesmo desenvolvimento na estruturação das regras, evoluindo de um estágio egocêntrico ao momento de discutir as regras com o grupo e decidir os procedimentos da situação. Faz a ressalva de que as meninas têm um “espírito jurídico” menos desenvolvido que os meninos, devido aos brinquedos das meninas serem muito simples e não possibilitarem as codificações da jurisprudência que construíram os meninos em seu jogo de bolinhas.

    Relacionando a questão moral com o estudo do jogo de bolinhas, o estudo pôde chegar à conclusão da existência de três regras: regra motora: faz parte da fase pré-verbal, quando a criança ritualiza sua ação sobre os objetos e os elabora; regra coercitiva: caracterizada por ser uma fase na qual a criança compreende as regras como sagradas e imutáveis, porque considera aquele que as informa, o adulto, como superior e inatingível; regra racional: em que, quase adolescente, as regras não são mais aceitas como dadas, a menos que atendam às necessidades e/ou desejos do outro.

    Quanto à Noção de Justiça, Piaget percebeu três tipos. A justiça retributiva: completamente ligada à idéia de sanção. O ato deve ser corrigido com uma punição correspondente da mesma monta. A justiça distributiva: ligada à idéia contrária à da sanção. O importante é repor, ao ofendido ou prejudicado, a perda. Levam-se em conta as condições e intenções. Justiça imanente: novamente em presença da coação adulta, a criança acredita haver, na justiça declarada por este, algo de sagrado e imutável. É atribuída à natureza como um todo, inclusive ao adulto, o poder de tudo saber.

    Essas três noções de justiça estão presentes no desenvolvimento do juízo moral da criança e diferenciam-se, hierárquica e cronologicamente, nas crianças mais novas e mais velhas, podendo ser definidas como as “duas morais”. A pesquisa de Piaget em “Juízo Moral na Criança” definiu a existência de dois períodos da experiência do indivíduo com a moralidade. Inicialmente, o adulto exerce um controle externo sobre o juízo moral da criança. São as coisas exteriores, a ordem dada pelo adulto, os exemplos dos mais velhos nas brincadeiras, as cópias, os modelos, que “obrigam” o indivíduo a selecionar seus comportamentos em face de sua aceitação/participação no grupo. É a moral heterônoma. À medida que uma série de condições psicológicas se estabelece, como a capacidade de raciocínio lógico e reversível, as estruturas do indivíduo possibilitam uma tomada de consciência sobre a forma como as regras são construídas e sobre a possibilidade de mudá-las. É chegada a moral autônoma. O que leva o indivíduo, inicialmente, a acatar as regras de seu grupo social é a heteronomia, fruto da coação do adulto sobre a criança e dos aspectos externos sobre os internos. O desenvolvimento da inteligência dá-lhe uma condição de socialização que, na cooperação, ao discutir a moral de seu grupo, desenvolve certa autonomia, uma consciência, e passa a regular-se livremente (conforme seus motivos).

    Piaget diz que tanto as relações de coação como as de cooperação são importantes. Num primeiro momento, a coação se faz necessária para que a criança conheça as regras e tenha noções sobre o bem e o mal, o certo e o errado. Ninguém pode formular concepções acerca de algo que não conhece. É necessário e inevitável, pois, que a criança esteja na fase de heteronomia[2], de obediência à autoridade, para que, depois, o espírito de cooperação possa ser construído, através do respeito mútuo e da reciprocidade. Segundo Xypas (1997), ele denomina cooperação como qualquer relação social em que não intervenha nenhum elemento de autoridade ou de prestígio. Não é uma simples troca entre indivíduos, mas um método que permite ao sujeito construir operações intelectuais conjuntamente com outra pessoa, num tipo particular de interação social, visando a procura do sentido moral.

    “No plano moral, a cooperação leva à solidariedade, à idéia de justiça e de igualdade, enfim à autonomia de juízo. No plano intelectual, este processo liberta a criança da sua atitude egocêntrica e permite-lhe atingir a reciprocidade lógica e o princípio da não contradição. Segundo Piaget, moral e lógica desenvolvem-se lado a lado. A cooperação permite o descentramento” (Xypas, 1997, p. 59).
    Mas, o que frequentemente acontece é que a coação estende-se por muito mais tempo que o necessário, prejudicando assim a queda do egocentrismo[3], o exercício da cooperação, a capacidade de reciprocidade e, conseqüentemente, a construção da autonomia. E o objetivo da educação moral é auxiliar a criança a construir sua autonomia, ajudá-la a se constituir como um sujeito autônomo apto à cooperação.

    “[...] a criança interessa-se, primeiramente, mais pelo resultado do que pela motivação de seus próprios atos. É a cooperação que, coagindo o indivíduo a se ocupar,sem cessar, do ponto de vista de outrem, para compará-lo ao seu, conduz à primazia da intencionalidade. É surpreendente, com efeito, constatar quanto o pensamento egocêntrico dos pequenos é inconsciente de si mesmo e pouco levado à introspecção” (Piaget, 1994, p. 150).
    Piaget diz haver duas possibilidades de procedimentos de educação moral: os procedimentos verbais e os métodos ativos. Os procedimentos verbais ou as “lições de moral” são de pouca valia para a educação moral, já que, quase sempre, são impostas pelos educadores ou pais através da coação e do respeito unilateral. A criança, por não viver ou se envolver na situação exposta, não compreende o seu significado, mas finge aceitá-la pelo medo da punição ou perda do afeto. Piaget diz que as “lições de moral” podem ser válidas quando se constituem como resposta à uma questão prévia, ou seja, quando as crianças pedem explicações para determinadas situações que lhes causaram desequilíbrio. Surgindo dessa maneira, o procedimento verbal pode realmente tocar o espírito da criança, já que ela se abriu para a reflexão.

    No método ativo, a criança participa de experiências morais através do ambiente proporcionado pela escola ou pela família. A criança deve estar em contato com outras crianças e com situações nas quais experimente a cooperação, a democracia, o respeito mútuo e, assim, construa, paulatinamente, sua moralidade. A educação moral não constitui uma matéria especial de ensino, mas se apresenta como um aspecto particular da totalidade do sistema. Dessa maneira, as crianças e os jovens vivenciam a moralidade em todos os aspectos e ambientes, tanto escolar e familiar. Na escola, por exemplo, os trabalhos em equipes são uma atividade facilitadora na construção da autonomia, pois as crianças, ao trabalharem juntas, podem trocar pontos de vista, discutir, ganhar em algumas idéias e perder em outras, enfim, podem exercer a democracia. É no trabalho em grupo que essa construção é possível. Além disso, a auto-regulação grupal surge pela experiência com atividades coletivas e, no que se refere à educação moral, “o self-government” contribui para desenvolver, ao mesmo tempo, a personalidade do aluno e seu espírito de solidariedade.

    Essa interação proporciona uma mudança de perspectiva, já que a criança se põe no lugar do outro para compreender o seu ponto de vista e assim, progressivamente, ela descentraliza sua visão egocêntrica (dos falsos absolutos, diz Piaget), para aceder a uma opinião cada vez mais matizada, relativa e objetiva. O outro é necessário também para a tomada de consciência de si mesmo, para desenvolver a socialização, e o uso da razão e da autonomia moral. O outro constitui o principal “obstáculo” ao desenvolvimento do sujeito, mas sem esse confronto com o outro, sem a cooperação intelectual e moral, as crianças ficariam fechadas no egocentrismo. Além disso, o outro é necessário para que se possa ultrapassar o eu, e desenvolver o sentido de “nós”.

    Educar moralmente para Piaget é proporcionar à criança situações em que ela possa vivenciar a cooperação, a reciprocidade e o respeito mútuo e, assim, construir a sua autonomia.

    Concluindo

    Piaget foi pioneiro na observação sistemática direta de crianças e importantes aspectos do modelo de desenvolvimento proposto por ele ainda hoje são tomados como bases para a psicologia infantil. Sua obra tem passado por importantes revisões nas últimas décadas e uma delas diz respeito à questão tratada neste ensaio. A revisão de algumas posições piagetianas sobre o desenvolvimento da moral nas crianças por autores mais recentes refletem sua incompletude.

    Segundo Puig (1998), a educação moral deve apresentar-se como um espaço de reflexão individual e coletiva que possibilite a elaboração autônoma de valores e que auxilie a criança a detectar e criticar os aspectos injustos da realidade cotidiana e das normas sociais vigentes; construir formas de vida mais justas, tanto nos âmbitos interpessoais como coletivos; elaborar de maneira autônoma, racional e dialógica princípios de valor que ajudem-na a julgar criticamente a realidade; demonstrar comportamentos coerentes com os princípios e normas que pessoalmente ela construiu; adquirir também as normas que a sociedade, de modo democrático e justo lhe impôs.

    A educação moral pressupõe uma tarefa construtiva e deve levar em consideração as diferenças e os valores culturais de todos os grupos sociais. É necessário, ainda, atentar para alguns elementos presentes na moralidade como, por exemplo, as emoções e os sentimentos.

    Cabe ressaltar também que um projeto de educação moral deve levar em conta a realidade do país, as questões políticas relacionadas à concepção de escola e a preparação do corpo docente, para que se possa elaborar um currículo em que estejam presentes: o conceito de educação, as características socioculturais do grupo, as dimensões da personalidade moral, as estratégias de trabalho e os âmbitos temáticos a serem trabalhados. Dessa forma, toda a escola acaba engajada em seu programa de educação moral, (caso tenha optado por ele de forma democrática). Esse trabalho não pode ser desenvolvido apenas na sala de aula, entre professor e alunos, mas deve acontecer em toda a escola. Assim sendo, a escola se constitui como um ambiente sócio-moral que permite a construção da autonomia moral e intelectual das crianças. E, a educação moral precisa contribuir para o desenvolvimento de princípios que guiem, regulem e estabeleçam normas orientadoras para a vida prática das pessoas e da coletividade.

    BIBLIOGRAFIAS
    LA TAILLE, Yves de. Piaget, Vygotsky, Wallon: teorias psicogenéticas em discussão. São Paulo: Summus, 1992.

    PIAGET, Jean. O Juizo Moral na Criança. São Paulo : Summus, 1994.

    ____________. O Nascimento da Inteligência na Criança. Rio de Janeiro: LTC Editora, 1987.

    PUIG, José Maria. A Construção da Personalidade Moral. São Paulo: Ática, 1998.

    XYPAS, Constantin. Piaget e a Educação. São Paulo: Horizontes Pedagógicos, 1997.

    [1] O texto parte dos pressupostos de que o desenvolvimento é construído a partir de uma interação entre o desenvolvimento biológico e as aquisições da criança com o meio; de que a identidade individual é definida pela relação de um sujeito com os outros indivíduos, em que cada um se completa no relacionamento com os que estão à sua volta, no seu convívio. Nessa perspectiva, o ensaio trata sobre a moralidade na criança e o papel das relações sociais (interação) nessa formação.

    [2] A evolução da prática e da consciência da regra pode ser dividida em três etapas: a primeira delas é a etapa da anomia, em que as crianças de até 6 anos não seguem regras. A segunda etapa é a heteronomia, caracterizada pelo interesse em participar de atividades coletivas e regradas. A terceira etapa é a da autonomia, que corresponde à concepção adulta do jogo. (La Taille, 1992, p.49)
    [3] Segundo Yves de La Taille (1992, p. 16), egocentrismo significa que a criança ainda não tem domínio de seu ‘eu’ e que, longe de ser autônoma, ainda é heterônoma nos seus modos de pensar e agir.

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